Mês: dezembro 2007

A Justiça na prática

                                                    

 

Eis que adentra ao fórum seu José da Silva, o autor, e como tal, o dono da verdade, e, da razão, o legítimo senhor.  Sem economizar um só centavo, contrata o mais afamado advogado. Afinal, o seu direito é inquestionável e sair derrotado é, em sua concepção, o menos esperado. E de cabeça erguida, como se a Justiça estivesse ali apenas e exclusivamente para lhe servir, vai entrando em sua casa sem ao menos a reverenciar.

 

Com a arrogância de um imperador, refere-se ao pobre réu como um mártir à beira de sua “via crucis”. E nesse seu mundo de ilusão, vai reinando absoluto. A ação já está decidida; mesmo porque, o pobre réu, nada poderia alegar, já que o direito do seu José é líquido, certo e tão cristalino que a Justiça não poderia fazer outra coisa, senão curvar-se, como se ela disto precisasse, diante da soberania do direito declarado na sentença, que o próprio seu José lançara em sua imaginação, antes mesmo de ingressar em Juízo.

 

De outra banda, o Sr. João de Deus, o pobre réu, acionado que fora, recebe a citação para defender-se. Entra em desespero. Perde o sono. Perde a fome. Perde quase tudo, menos a fé no Pai que tem no próprio nome. Reza e pede a Ele sua proteção. Afinal, em sua cabeça,  a Justiça é falha, imperfeita e não existe em sua plenitude.  Aliás, não chega sequer aos pés da Justiça do Pai. Esta, sim, a verdadeira Justiça. Mas, fazer o quê, a não ser contratar um advogado, não o mais afamado, pois, além de mais caro, ele, humilde réu, está que é só incertezas e apenas sonha com um resultado positivo.

 

Antes, porém, de vencer o prazo, entra no fórum, ele, o diminuído réu, ao lado de seu patrono, fazendo o sinal da cruz, tirando o chapéu em respeito à casa da Justiça dos homens. Cabisbaixo e desconfiado  de tudo e de todos, contesta a ação. A sorte está lançada!

 

Agora, formada a relação processual, a demanda toma forma e começa a se desenrolar. Os autos vão se avolumando. As provas vão aparecendo. O verdadeiro e real detentor do direito vai se delineando. A essa altura o seu João até já esboça um sorriso e começa a acreditar na possibilidade de vitória. Começa a acreditar na Justiça dos homens.

 

Ao contrário, o seu José, que já não tem a mesma convicção de outrora, começa a dizer que Justiça mesmo só a divina. Percebendo a possibilidade de perder, já pensa até num acordo, coisa que jamais lhe passara pela cabeça.

 

Encerra-se, definitivamente, a instrução. Sai o veredicto. Seu João, aquele de Deus, está com a razão e sai vitorioso.

 

Agora, senhor da situação, de cabeça erguida, seu João vai saindo do fórum cumprimentando a todos, orgulhosamente. Mas, não sem estar de chapéu na mão, em respeito à  Justiça dos homens. Afinal, ela existe! Suspira seu João, aliviado.

 

Pouco depois, vai saindo seu José, o convicto e pobre autor, desconsolado; cabisbaixo. Chapéu na cabeça, não cumprimenta ninguém. Não quer conversa nem com seu advogado. Apenas resmunga:  “a Justiça dos homens não existe. Mas, Deus está vendo e com certeza, me dará razão. Bobo de quem espera outra Justiça que não a divina …”              

                                       

    

                                                                                                                 Anderson José Fernandes